Barulho aqui dentro
Lá estava eu atendendo mais uma vez aquele adolescente. Eu o acompanhava no cumprimento da medida socioeducativa de semiliberdade. Ele me pedia remédios para dormir. Sou psicóloga, mas em geral os meninos confundem as funções. Acham que eu posso prescrever e ficam frustrados quando descobrem que comigo eles podem apenas conversar.
Acolhi sua queixa e mais uma vez ele me trouxe a descrição de diversos sintomas de ansiedade, que se manifestavam assim que ele entrava na unidade socioeducativa.
“Tia, eu não fico bem aqui, eu não consigo dormir.”
O desconforto é natural quando se está em privação de liberdade. Ainda que essa privação seja parcial. Se a mente de alguém se acostuma rápido e se adapta muito bem àquele ambiente, há algo muito errado.
Naquele dia, o menino insistia na questão do remédio para dormir. Eu quis saber como eram os momentos dele no alojamento/cela onde ele dormia. Na verdade era onde ele ficava acordado a noite toda.
“Tia, não dá. Quando apaga a luz e tranca tudo, eu ouço muitos barulhos.”
Eu quis saber de onde vinham os barulhos. E a resposta foi:
“Daqui de dentro! Minha cabeça fica barulhenta quando tá silêncio do lado de fora.”
No atendimento com esse adolescente eu aprendi uma forma de pensar a ansiedade. A partir dessa frase, o acompanhamento fluiu melhor.
Eu, que também sofro de ansiedade, passei a ouvir o barulho da minha mente. Comecei a lidar com esse barulho. Entendi que ele não some totalmente, mas é possível modular o volume e a intensidade.
É isso. Eu aprendo muito como psicóloga do DEGASE. Apesar das dores, apesar das privações, há vida e reflexões dentro do Sistema Socioeducativo.
Obrigada, meu menino, por me ensinar a ouvir meus barulhos. E acolher os barulhos dos outros.
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